quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

CHAVES (Portugal)

Trás-os-Montes e Alto Douro é hoje em dia uma região que se depara com o flagelo do despovoamento, da fuga (constante e alarmante) das suas gentes para paragens do estrangeiro ou para pontos urbanos do litoral do continente português. A alma dói-nos quando percorremos as vilas e aldeias desta bela região do interior de Portugal e encaramos de frente com o triste silêncio consequente da desertificação destas paragens. Facto (preocupante) que mesmo assim não apaga a imagem da beleza natural reinante naquelas terras altas. Falar de uma forma pormenorizada nos encantos (vários) de Trás-os-Montes e Alto Douro seria motivo obrigatório para se escreverem linhas perpétuas… tarefa essa de difícil, ou impossível, abraço nas linhas que hoje traço.
Vou sim recordar o meu encontro com uma das princesas transmontanas, a Cidade de Chaves. Posicionada geograficamente a norte desta região Chaves passeia-se pelo verde transmontano com uma beleza ímpar. Confesso, com alguma vergonha, que apenas me apercebi do encanto desta cidade há muito pouco tempo aquando da minha segunda visita. A primeira incursão à “flor do Tâmega” foi realizada na companhia dos meus pais (habituais frequentadores destas paragens), em ano que sinceramente não me recordo, numa (tenra) idade particularmente (no que me diz respeito) imprópria para a aptidão, e sobretudo paciência, para contemplar com a devida atenção e interesse todos os cantos de uma cidade, neste caso.
Espírito bem diferente levei comigo na segunda incursão feita ao local, realizada uma semana antes do Natal de 2010, na companhia da minha esposa, sentindo-me desta feita obrigado a dar um pouco mais de atenção a um concelho no qual possuo raízes. É verdade, tenho uma “costela” flaviense (assim são denominados os habitantes de Chaves) graças ao meu avô materno cujo berço assenta em Vilela do Tâmega uma das 51 freguesias de cariz maioritariamente rural pertencentes ao Concelho de Chaves.
Aliás Chaves é um concelho quase na sua totalidade de matriz rural, com o comércio e a indústria a aparecerem num segundo plano geograficamente posicionado (sobretudo) na sede concelhia.Outro dos mais emblemáticos monumentos flavienses, o Castelo e a Torre de Menagem

Chaves (cidade) é um local povoado de histórias e de... História. Ora, sendo eu um curioso dos caminhos da História foi pois com sagaz curiosidade que percorri alguns dos trilhos da urbe flaviense naquele gélido dia de dezembro. E desenrolando o novelo da História de Chaves descobrimos que aqui são guardados alguns vestígios da pré-história, alusivos aos períodos neolítico e calcolítico, assim como da idade do ferro. Sinais que se encontram maioritariamente na periferia da cidade e que constituem uma verdadeira riqueza e motivo de orgulho para as suas gentes.O pomposo solar do século XIX onde funciona atualmente a Câmara de Chaves

Mas já que recordamos alguns dos muitos povos que habitaram estas terras não podemos esquecer os romanos, talvez o povo que marcou de forma mais vincada esta região. Aqui chegaram há cerca de 2000 anos atrás em busca do ouro que abundava no sub solo desta zona e rapidamente a monopolizaram com os seus costumes, leis, cultura e arquitetura. E neste último campo a marca romana que mais curiosidade me terá suscitado foi sem dúvida a Ponte de Trajano (que pode ser vista na primeira imagem), para mim o ex-libris da cidade, e para muitos a maior recordação legada pelos romanos a esta terra.A Igreja Matriz de Chaves

“Edificada” sobre as águas do bucólico (rio) Tâmega a ponte – que atravessa a cidade – foi construída em finais do século I e inícios do II século. A estrutura, de cerca de 150 metros de cumprimento, assenta em 20 arcos, sendo que apenas 16 se encontram visíveis, pois os restantes estão soterrados nas construções situadas junto da ponte em cada uma das margens. No meio deste bela obra arquitetónica – classificada como monumento nacional em 1938 – erguem-se duas colunas contendo inscrições romanas. Sempre com a imponente e formosa ponte debaixo de olho fui caminhando pelas margens verdejantes do silencioso Tâmega rumo à instância termal, precisamente uma das principais razões pela qual Chaves é tão procurada pelos forasteiros. As termas, outra das grandes descobertas da permanência dos romanos nestas paragens, os quais se aperceberam das milagrosas potencialidades das nascentes de água quente que corriam debaixo daquelas terras, recomendadas para o tratamento de diversas “maleitas” do corpo humano. Na altura a descoberta romana fez crescer e muito esta urbe, a qual seria batizada de... Aquae Flaviae.A formosa Igreja da Misericórdia, dizem os flavienses ser a mais bela de toda a cidade

Deambulando pelas estreitas e peculiares artérias medievais flavienses fui descobrindo outras atrações da cidade, com o Castelo e a Torre de Menagem em plano de destaque. Ladeado por um simples – mas portador de beleza ímpar – jardim o monumento é bem mais recente do que a vistosa Ponte de Trajano, tendo sido construído no século IX. Vale a pena subir a imponente Torre de Menagem e dali deslumbrar a vista com a paradisíaca Chaves.A estátua de D. Afonso I situada defronte do solar que hoje em dia alberga os Paços do Concelho

Dali aos paços do concelho o caminho é curto, o tempo suficiente para no entanto levar a nossa imaginação até épocas medievais após calcarrear o terreiro do castelo. A ampla e pomposa Praça de Camões – parte integrante do centro histórico, onde estão implantados os paços do concelho – foi o nosso ponto de paragem seguinte, podendo ali os nossos olhos vislumbrar mais uma série de pérolas arquitetónicas. Desde logo o próprio palacete onde hoje se encontra a sede da autarquia flaviense, um solar erguido em meados do século XIX “vigiado eternamente” pela figura de D. Afonso I, o primeiro duque de Bragança, cuja estátua foi edificada bem defronte do edíficio.Ser jornalista tem destes vícios, dar por nós a fotografar a porta de entrada de um dos jornais locais, neste caso a Voz de Chaves

Do lado oposto da praça repousa a Igreja de Santa Maior, popularmente conhecida como Igreja Matriz, de traços románicos e cujos primeiros relatos da sua existência datam do longínquo ano de 1259. Também na Praça de Camões está edificada a Igreja da Misericórdia, rotulada como a mais bela igreja flaviense, construida no século XVII e de traço barroco, cuja fachada (oito colunas salomónicas com plintos e capiteis) nos deixa parados no tempo enquanto a contemplamos. Chaves é aliás rica em templos religiosos, situados noutros recantos da cidade.A imponente beleza do "cartão de visita" da cidade num momento para mais tarde recordar

Percorrendo serenamente as medievais e piturescas artérias flavienses, onde admirámos as não menos piturescas casas de traço medieval, encontrámos outra riqueza destas paragens, desta feita uma rqiueza gatronómica, e da qual eu sou um adepto confesso. Falo dos famosos pastéis de Chaves, um folhado recheado com carne picada com um formato de meia lua que faz as delícias dos visitantes. Como a manhã já ia alta e o apetite mostrava-se impaciente foi na típica e popular casa do João Padeiro – um dos locais que melhor confeciona esta especialidade – que degustei um genuíno pastel de Chaves. Gastronomia que é aliás outro dos atrativos flavienses, já que aqui habitam autênticas obras de arte culinárias, por assim dizer. E assim à primeira vista recordo o presunto de Chaves como um dos mais afamados de Portugal, os fumeiros, o delicioso Folar de Chaves, ou o imperdível cabrito assado que pode ser encontrado e bem confecionado nas diversas casas de repasto da cidade.
Restará traçar umas breves mas elogiosas linhas para com as gentes flavienses, extremamente amáveis – sempre pretáveis para exclarecer as dúvidas dos seus turistas – e sobretudo orgulhosas desta sua terra de beleza ímpar.

Nota: Este texto foi escrito segundo as regras do novo acordo ortográfico